sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

"Eita Povinho Bunda!"


O título desta crônica, devidamente aspado, é fruto das esculhambações humorísticas do Casseta & Planeta na década de 80. Lembro como se fosse hoje, numa revista semanal, de ter me deliciado com a arte de uma camisa branca com a bandeira do Brasil estampada à frente, cuja citada frase substituía a “Ordem e Progresso” do pavilhão nacional. Eu era só um garoto, mas nunca esqueci a força que o humor inteligente tem. E foi essa imagem que me veio à mente após a polêmica camisa da Adidas (imagem acima), alusiva à Copa do Mundo de Futebol a ser realizada no Brasil. Em ambos os casos, apesar da larga distância entre um produto de humor e outro meramente comercial, a bunda se sobressai em significados vastos.

Ela (a bunda) é, talvez, o maior símbolo do Brasil. Aqui e no exterior. Não é só um mero fetiche. Ela representa o sexo fácil, imagem maior que grande parte dos estrangeiros tem do país e que muitos de nós mesmos também temos – e que “vendemos” pra quem quiser “comprar”. Vide conteúdos diversos exibidos (e prestigiados) em nossos canais de TV (dos BBBs da vida aos apelos carnavalescos e às peças publicitárias - quem lembra, para ficar num exemplo só, uma propaganda recente das sandálias Havaianas em que um casal estrangeiro decide ir ao Brasil em férias e a mulher, ao ver uma foto de uma bunda num anúncio brasileiro, decide mudar de roteiro? Vou nem citar as propagandas de cerveja e outras mais), as garotas e garotos oferecendo seus corpos nas esquinas das nossas movimentadas ruas, os bailes funk, as baladas (em todas as regiões e classes sociais)... Encontrar sexo é mesmo muito fácil por essas bandas.

Você pode argumentar que isso não é exclusividade nossa. Bom, nessa intensidade, estamos entre os “primeiros”. Além das já citadas facilidades para se fazer sexo no país, somos “referência” em prostituição infanto-juvenil e estamos entre os países mais “bem colocados” quando o assunto é turismo sexual.

Devido ao zum-zum-zum gerado, a Adidas decidiu cancelar a venda da polêmica camisa. Pega mal dizer certas verdades (ainda que, por outro ângulo, a mensagem estampada na blusa represente estímulo ao turismo sexual, esse mesmo que o Brasil é referência). Incomoda-nos ver como o mundo enxerga essa grande bunda que o Brasil tem feito questão de exibir – seja pelo sexo fácil já explicitado, pela corrupção descarada que abundalha a política nacional, pelo caos urbano que teimamos em dejetar, ou por tantas outras questões que nos fazem de verdadeiros bundões. A camisa provocou repúdio nas autoridades porque teimamos em não querer enxergar nossas próprias mazelas. Causou ojeriza em muitos cidadãos brasileiros porque não assumimos que nós mesmos somos tão passivos, verdadeiros bundões, em lidar com essas e muitas outras mazelas no dia-a-dia.


Ouso dizer que, ainda que um tanto agressiva, a camisa da Adidas é perfeita. Assim como a antiga do Casseta & Planeta. Para um país ímpar como o nosso, com tantos atributos positivos que poderiam nos transformar numa verdadeira potência, a bunda anda mesmo sendo a nossa cara. E enquanto a Copa do Mundo não chega e o Carnaval já está batendo em nossa porta, em nome da “alegria” vamos nos “desbundar”. E continuemos vestindo o fio dental... Ops! A carapuça...

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Aos Porcos, a Pocilga!




“A internet é o maior território anarquista que já existiu”. Perdoem-me, mas não lembro onde li essa frase. Sem fonte, mas com a plena convicção de que o universo virtual se instalou na vida moderna com uma força imperante, concordo com a afirmação aspada acima, ainda que enxergue esse território quase sem lei como uma mera extensão do nosso cotidiano social – ainda mais quando realçamos, nesse contexto, as redes sociais.

Mas deixemos o fator anarquismo de lado. Pensemos nas citadas redes. Mais especificamente no tão ‘amado’ e ‘odiado’ Facebook, que chegou realçando a característica anarquista da internet com sua gratuidade, mas que enfraqueceu o mesmo conceito quando, de forma cada vez mais frequente, ao que parece, passou a policiar algumas publicações lá exibidas – estou, evidentemente, deixando de lado outras tantas questões que a transformaram numa gigante capitalista.

Mas deixemos o fator policiamento (e tantos outros) de lado. Pensemos no que significa ter um perfil numa rede social. Voltemos ao conceito de extensão do cotidiano real. Pronto. Aí é que encontramos a natureza humana por trás do ‘amor’ e do ‘ódio’ ao Facebook. Espelho interessante do que somos no dia-a-dia.

Relacionamentos virtuais não são, absolutamente, iguais às relações presenciais. Expor na citada rede dores ou alegrias, defeitos ou virtudes, conquistas ou derrotas não coloca ninguém em situação diferenciada. O hipócrita na vida real amplia sua hipocrisia nessa rede. O mentiroso se encaixa melhor no âmbito virtual. O carente se apega ainda mais no conforto da virtualidade. O bom encontra terreno aberto para se propagar, assim como o mau. E por aí vai, afinal, a grande diferença é a facilidade de se esconder por trás de uma máquina (assim como por tantas vezes nos escondemos sob máscaras).

“Amar” ou “odiar” um instrumento virtual de socialização nada mais é do que uma forma de exteriorizar a própria forma de ser. Quem ‘ama’ o faz por adorar expor a própria vida, ou por achar interessante se relacionar com outras pessoas (muitas que nem mesmo conhece), ou ficar por dentro das coisas (interessantes ou não) que circulam, ou pelo dinamismo na comunicação etc. Quem ‘odeia’ o faz por detestar o excesso de “felicidade” que por lá circula, ou por outras hipocrisias reinantes, ou ainda pelas manipulações que alguns promovem em posts dos mais diversos... Mas, pergunto: e tudo isso não encontramos também no cotidiano da vida ‘real’?

Sim, as redes sociais são meramente uma extensão da vida social humana. Assim como na vida diária, também na vida virtual é preciso saber conviver, afinal, a afinidade é que norteia as escolhas pessoais de cada um. Aos cordeiros, pasto verde e iluminado. Aos porcos, a pocilga!

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A Falsa Democracia

“Posso não concordar com nenhuma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”. (Voltaire)




Não, você não sabe o que é democracia. Nem eu.

A falsa democracia é moda eterna. Rachel Sheherazade, jornalista do SBT, que o diga. Tendo espaço para dar opinião própria num telejornal, não poupa palavras para criticar o que acha errado, assim como para elogiar o que acredita ser louvável. Opiniões pessoais. Nada demais, não fosse a já citada distorcida forma de exercer-se numa sociedade que se diz democrática.

A última polêmica foi o comentário acerca do ladrão carioca que foi preso nu a um poste por populares, enquanto a polícia chegava para fazer a prisão. A imagem é absurda (foto). A ausência do Poder Público, também. E a opinião da jornalista foi incisiva, defendendo a ação dos cidadãos quando o tal Poder Público não se faz presente – o que chamou de legítima defesa coletiva (além de menosprezar o jovem da foto, o ladrão, chamando-o de ‘marginalzinho’). Por se expressar dessa forma, foi achincalhada. Certas opiniões devem ser medidas antes de serem exteriorizadas (ainda mais em se tratando de um telejornal), mas democracia é democracia. Não há meios termos. Uma opinião apenas é. Aceitá-la é-nos obrigação, ainda que não se concorde com ela (até porque, nesse caso, não vi ninguém se preocupar de verdade com a situação social do ladrão em questão!).

Pra mim, fazer justiça com as próprias mãos, como ficou subentendido na opinião da moça, é reprovável (ainda que concorde plenamente que o Governo tão pouco venha fazendo para minimizar os problemas da segurança pública no país), assim como sou contrário a atos de humilhação como esse a que o ladrão foi exposto (ainda que não concorde absolutamente com crime de roubo ou de qualquer espécie), mas que direito tenho de cercear o direito de opinião alheia quando eu mesmo expresso aqui o que penso?

A questão é recorrente. Na época das manifestações populares generalizadas (sim, na época, pois já passou, o gigante dormiu...), as redes sociais ficaram recheadas de intolerância. Os ‘mobilizados’ desciam a lenha em quem se expressava contra – quem defendia o direito de ir pra rua expressar sua indignação repreendia o direito do outro de discordar. Exemplo vívido de intolerância. E é essa mesma intolerância que simboliza essa falsa democracia e produz todos os preconceitos e desarmonias. Não aceitamos o diferente. Não aceitamos o que destoa do que pensamos. Vivemos como se fôssemos deuses na arte da crença. E, assim, só nos apequenamos diante dessas demonstrações cabais de antidemocracia.

O caso de Rachel Sheherazade vale para qualquer cidadão (Jair Bolsonaro, Marcos Feliciano, Danilo Gentili, você, eu...). Expressar-se é um direito. Os excessos, claro, aqueles que ferem as leis vigentes, são passíveis de enfrentamento legal. Mas não esqueçamos que a democracia é a grande lei num ‘estado democrático de direito’. Ou deveria ser.

...

OBS.: não concorda comigo? Tudo bem...