terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Deus é Surdo?


A foto que ilustra este post circula há algum tempo pela web. A imagem de um muro pichado com a frase: “Jesus não é surdo! Ore baixo e respeite os ouvidos dos outros filhos de Deus!”, foi tirada pelo próprio “pichador”, um morador de Arraial do Cabo (RJ), arretado por conta da barulheira que membros de uma igreja evangélica vizinha à sua residência faziam em seus cultos. Levando o caso da poluição sonora à polícia e depois ao Ministério Público, decidiu demonstrar toda a sua indignação no muro da própria casa. Esse fato, muito além de revelar as dificuldades de diálogo entre vizinhos, aponta, ainda que de forma jocosa, para uma questão paradoxal que há tempos me intriga: por que para ter fé é preciso se exteriorizar? Pois é. Está virando modismo. E não preciso ir longe pra referendar isso.

O prédio onde moro fica próximo a uma igreja evangélica. E ainda que a área do condomínio seja ampla, é comum, vez por outra, escutar em alto volume pregações efusivas, cantos elevados (ao menos no volume das vozes que os entoam!) e até o que me parece bate-papos sobre religião. Tudo num esforço para que a vizinhança escute, como se isso significasse “pregar a palavra de Deus”.

Engana-se, contudo, quem pensa que essa exteriorização da fé é exclusividade dos intitulados evangélicos. A recente festa no Morro da Conceição, aqui mesmo no Recife, marcando os festejos pelo dia de Nossa Senhora da Conceição (08 de dezembro), mostra que a igreja católica vem adotando postura idêntica. Novamente do meu apartamento, que fica próximo à rota para o referido morro, foi quase insuportável tolerar as orações e gritos de louvor entoados às alturas do que me pareceu um trio elétrico, reforçado pelo grito da multidão. Parecia que Nossa Senhora estava tão longe que não conseguiria ouvir. Foi de passagem, mas incomodou os ouvidos dos outros filhos de Deus, como eu.

Acredito piamente que nós somos o ponto de partida para a questão evolutiva. Fé é entrega. Confiança absoluta. Algo totalmente íntimo e interior e que deveria ser exercido e exercitado numa solidão ativa. Parece-me sem sentido um esforço tão grande para exteriorizar a própria crença. Questiono-me, com todo o respeito que tenho a todos os credos religiosos, se tal exteriorização é tão somente uma distorção do que é ter fé ou se tudo se resume a ações esmeradas de merchandising para propagar os próprios conceitos religiosos.

“Pregar a palavra de Deus” não é decorar trechos da Bíblia (ou de qualquer outro livro religioso) e sair empurrando ouvido abaixo de outras pessoas, seja abordando-as (na rua ou em suas casas), seja ouvindo música religiosa em alto volume em veículos públicos, seja gritando em cultos e/ou eventos religiosos. Não. A ‘pregação’ deve ser pessoal e mirada no exemplo. Exemplo para si próprio. Cuidar de ser um ser melhor. Agir mais e falar menos. Buscar Deus dentro de si (e não numa exteriorização que só incomoda quem pensa diferente), sem se preocupar com rótulos, muito menos religiosos.

Respeitar o outro e todas as diferenças que existem entre as pessoas é fundamental para a boa convivência humana. Vale muito a pena refletir sobre isso. E seria interessante que tal reflexão começasse já na minha rua, afinal, Deus não é surdo – e eu também não...

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OBS.: pesquisando na web, acabei descobrindo que existe um site e uma página no Facebook que aborda essa questão (Deus não é surdo. Ore baixo – o detalhe é que eu já havia intitulado esse post, mesmo sem saber da existência do site). Quem quiser conferir: http://www.deusnaoesurdo.com.br.