quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Milagre Urbano



Uma tarde ensolarada. Um domingo qualquer. Um parque qualquer. Sentado à beira da lagoa, o homem velho, cabelos grisalhos quase brancos, bem vestido e de fisionomia oriental, dava comida aos peixes. Distante da agitação da garotada, o homem concentrava-se na beleza da vida.

Há poucos metros de distância, porém, formou-se um pequeno aglomerado de pessoas. Ao centro, um pastor evangélico com uma bíblia embaixo do braço arrumava cuidadosamente o local. Quatro banquinhos foram colocados em círculo, ficando ao centro das pessoas que ali assistiam. Sentaram os religiosos: um padre católico, um espírita, uma mãe de santo e um judeu. Com seus trajes “de gala”, todos se ajeitavam para iniciar a “informal” reunião.

O velho homem observava de longe o que se transformaria num debate religioso em praça pública. O assunto, polêmico por natureza, era uma discussão sobre o melhor caminho para se chegar a Deus, segundo os preceitos filosóficos que cada um tinha. Enquanto o evangélico se exaltava dizendo ser Jesus a melhor saída, o espírita apontava Kardec como solução. O judeu, por sua vez, colocava a esperança no Torá, enquanto o padre se benzia, rezando o Pai Nosso em voz baixa. A mãe de santo a tudo ouvia, mas em seu colo jogava os búzios para encontrar a melhor resposta.

De explanações convictas o debate passou a ser uma guerra de palavras: o padre acusava o pastor de ignorante; a mãe de santo dizia que com “uns trabalhos” poderia fazer qualquer um mudar de opinião; o espírita não aceitava a acusação de que seus conceitos tinham a pretensão de transformar Kardec no novo Cristo do mundo; e o judeu passou a falar sua língua natal, sem deixar ninguém entender o que dizia. A perturbação sonora era tamanha. Ninguém mais entendia o que o outro falava e as palavras voavam como flechas pontiagudas.

As agressões chegaram a tamanho extremo que o velho oriental, que assistia a tudo passivamente, interveio naquela imensa confusão. Adentrando no círculo, posicionando-se entre todos os religiosos, o velho ordenou silêncio. E assim o silêncio se fez.  Todos, espantados com a repentina interferência do velho, pararam para observar o que o homem tinha pra falar. Dizendo estar cansado de tanta incompreensão e ignorância, contou uma história que parecia responder àquilo tudo que ali era discutido:


“Um dia, Deus, cansado da sua rotina nos céus, resolveu dar um pulinho na Terra para ver como a coisa estava. Teve a divina idéia de fazer um relatório sobre a situação crítica do mundo e, a partir dele, tomar as providências necessárias. Decidiu partir sozinho, naquele exato momento, curioso para saber como o ser humano vinha se comportando. Como Ele não aparecia pessoalmente no planeta há alguns milhares de anos, não custava nada ver de perto o que seus assistentes tanto falavam. E não eram lá coisas muito boas”.

“Preocupado com os boatos espalhados sobre as insanas investidas de um país que queria dominar o mundo, fez dos Estados Unidos o seu primeiro ponto de parada. Apareceu bem no centro de Nova York, celeiro financeiro do mundo. Perplexo com a correria das pessoas atrás de uma fantasia material, Deus caminhou lentamente pelas ruas observando o clima insensível da metrópole e toda aquela poluição. Iniciou uma profunda
observação na vida cotidiana daquelas pessoas e a sede de consumo que nelas existia, percebendo, também, a desigualdade social que ali havia apesar de se tratar de um país rico e poderoso. Sempre por deveras atencioso, Ele registrava todos os detalhes importantes em sua poderosa mente divina”.

“Deus continuava em sua caminhada quando, de repente, alguém gritou aflito: - “Cop! Cop! A terrorist is Here! Help!”. Confundido com um terrorista, devido a sua imensa barba branca, narigão e roupas compridas, Deus notou que três policiais logo partiram em sua direção. Comunicando-se através de rádio com outras viaturas, os policiais iniciaram uma corrida na tentativa de capturá-lo. Percebendo a encrenca em que se metera, Ele só encontrou uma forma de evitar um verdadeiro incidente internacional e intercelestial: sumiu repentinamente, aparecendo logo em seguida nas proximidades da Casa Branca”.

“Momentos depois, todo país estava em alerta máximo contra um possível ataque terrorista. Sem querer interferir ainda mais naquele perturbado cotidiano, Ele resolveu concluir seus registros mentais antes de partir para outro país, dando sequência à viagem”.

“Ao terminar suas observações, Deus percebeu uma pacífica manifestação em frente à sede do governo americano, que a essa altura já estava se desfazendo devido ao alerta antiterrorista. Os manifestantes, já dissipados, protestavam contra a insistência do governo em não respeitar alguns tratados de preservação do meio ambiente. Observando àquilo tudo, Deus achou importante registrar à digna preocupação daquela pequena parcela da população sobre a vida no planeta. O paradoxo lhe pareceu pertinente ao teor da sua missão. Com isso, estalou os dedos e, em frações de segundos, já se encontrava no Vaticano, na Itália, segundo ponto de parada previsto em seu roteiro”.

(Continua...)

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