terça-feira, 30 de agosto de 2011

Entre o Nascer e o Morrer

“Gostaria de dizer-vos mil coisas que compreendo, estando à porta da eternidade, mas eu não morro, entro na vida, e tudo o que não vos posso dizer neste mundo, far-vos-ei compreender do alto dos céus...”. (Santa Teresinha)



Nascimento e morte são as únicas certezas da vida. Pessoas chegam, pessoas vão. Chegadas e partidas controladas pelas mãos invisíveis do infinito. E esse ir e vir realça a efemeridade da vida humana nesse planeta chamado Terra.

A certeza na imortalidade da alma é contraponto ante ao estado ilusório da matéria. A vida terrena é, sim, uma ilusão. Estamos de passagem. Aqui chegamos e, daqui, voltamos pra casa, para a verdadeira vida. A ilusão da matéria causa cegueira, travestindo a real percepção de que somos espírito, alma – e não um frágil e destrutível corpo de carne.

Enquanto vivos, somos ludibriados pelos sentidos. As sensações são o estado supremo da ilusão. Prazer e dor envolvem o ser humano como se fossem reais. E não são. O mestre indiano Paramahansa Yogananda costumava se referir à vida humana como um “filme cósmico”. Aqui chegamos como atores para interpretar papéis dos mais diversos, até que encontramos Deus, o grande Diretor – e Ele não está em outro lugar senão dentro de cada ser.

O equilíbrio, assim, é a meta. Ser comedido nos momentos de alegria e de tristeza é receita infalível ante a ilusão sensorial. Vida e Morte não existem. Apenas somos. E nos momentos mais difíceis é que precisamos dessa compreensão.

Entre o nascer e o morrer há o tempo. Coisa nossa. Passageira, mas que nos proporciona a ideia de que é preciso, sim, crescer. Ser mais. Evoluir. Amar. A saudade dos que ‘voltaram pra casa’ torna-se, então, algo saudável ante a certeza da vida eterna – e do reencontro.

Esse texto é dedicado a todos aqueles que passam por situações difíceis em todos os rincões do mundo. É, também, mais uma tentativa pessoal de absorver essa filosofia tão real e ainda tão difícil. É, acima de tudo, a minha sincera homenagem à família Nicéas pela tragédia acontecida nesse final de semana em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Que Deus nos abençoe, hoje e sempre...


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“Para cada um virá um tempo em que perceberá que todo o universo foi um sonho: quando descobrirmos que a alma é infinitamente melhor do que o que a cerca. É apenas uma questão de tempo, e o tempo nada é diante do infinito”. (Shirdi Sai Baba)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

'Os Donos da Rua' Novamente em Foco

Imagem: RICARDO
FERNANDES/DP/D.A PRESS

A atuação de flanelinhas nas ruas do Recife foi assunto aqui no Blog, em 05 de junho de 2009 (leia: "Os Donos da Rua" - Especial Trânsito - Parte 1). Agora, virou foco das autoridades. Foi preciso uma prisão e uma polêmica na mídia para que as autoridades enxergassem o que todo mundo sempre viu.

A prisão do flanelinha Fabrício de Souza (foto), 21 anos, essa semana no Recife Antigo, foi oportuna para trazer à tona o assunto (ainda que represente de certa forma uma distorção, já que não existem indícios seguros da pretensa extorsão, nem ficaram esclarecidos os possíveis excessos do policial - e também levantou aquela questão de que somente "pretos e pobres" vão pra cadeia). Agora estão querendo normatizar essa atuação. Agora "descobriram" que alguns agentes de trânsito "comem toco". Agora todos decidiram tomar uma atitude - bom, antes tarde do que nunca.

Nos sites que trataram do assunto durante a semana, a maioria esmagadora dos comentários apoiavam a prisão de Fabrício. Em sua grande maioria, pessoas com melhor poder aquisitivo e que desconhecem a realidade das ruas. O flanelinha pode, sim, ter agido mal. Mas quem garante que o policial que o abordou também não passou dos limites? E a situação social do rapaz? E a família dele? Prendê-lo dessa forma resolverá a questão?

Conheço alguns flanelinhas que são íntegros. Não ameaçam. Não extorquem. Ganham a vida de modo limpo. Já tive o desprazer de topar com outros que são exatamente o contrário - basta tentar estacionar no entorno da Rua das Pernambucanas, no Bairro das Graças, para ter um exemplo evidente disso (em dias de grandes eventos na cidade, então, nem se fala).

Há um imenso abismo social por trás de tais questões e uma necessidade premente de corrigir as distorções vigentes. É preciso abandonar os esteriótipos e se aprofundar nas questões mais delicadas da nossa sociedade, se é que queremos transformar a realidade que nos cerca. Esse deve ser o foco.

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EM TEMPO: na tarde de hoje, o flanelinha Fabrício de Souza teve sua prisão relaxada. Ele está solto. Mas as questões continuam...

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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

João, Parauapebas e Suzete


João é um cara arretado. Recifense nascido no Morro, negro, pobre, filho de uma honrada empregada doméstica, cheio de irmãos e um coração daqueles, enorme, refletido num sorriso que lhe é peculiar. Homem de caráter reto, está crescendo na vida através do estudo e do esforço no caminho da honestidade.

Parauapebas é uma pequena cidade do Pará, localizada há 700 quilômetros da capital Belém. O local tem recebido uma massa de trabalhadores oriunda de várias regiões, atraída pela oferta de emprego. São grandes empresas explorando o rico solo da região, fazendo crescer as oportunidades e, principalmente, os próprios lucros.

João chegou a Parauapebas por vias profissionais. Após obter bom desempenho numa multinacional – que o levou inicialmente ao sul do país –, foi transferido para a cidade paraense a fim de atrair novas possibilidades para a empresa. Ele não precisava tanto de Parauapebas, mas ela, sim, precisava muito dele. E foi numa noite de lua nova que ele descobriu isso.

- O mundo é do dinheiro, o senhor sabe.

Falou mansamente o Sr. Antônio, que bateu à sua porta por volta das 19 horas.

- Não entendi, Seu Antônio.

- Tá vendo aquela moça ali, Seu João? É Suzete, minha filha. Tem só 17 aninhos e já sabe o que quer da vida.

João permaneceu a ouvir. Seu Antônio continuou.

- A gente pode fazer negócio, doutor. A filha é minha, mas eu posso dar ela pro senhor. A gente negocia dois salários por mês, coisa e tal, e ela pode se casar com o senhor ou sei lá mais o quê...

O sorriso, que sempre foi uma constante, desapareceu do rosto daquele nobre cidadão. A realidade se confundiu na sua cabeça e o olhar para a bela morena o fez reagir.

- O senhor pára logo por aí. Não pense que eu sou como muitos dos canalhas que chegam aqui para explorar vocês. O senhor não tem vergonha de ‘vender’ a sua filha não? Pois bem! Acho melhor o senhor sair já daqui!

Seu Antônio emudeceu. Estranhando a atitude “daquele negrinho metido a besta”, deu as costas e se foi, levando com ele a filha e um pedaço da esperança que sempre foi vivente no agora decepcionado homem.

A história de João se cruzou com a de Suzete numa pequena cidade do Pará. A realidade é mesmo dura. Parauapebas poderia ter acordado no dia seguinte com mais uma ocorrência de descaso familiar. Mas João é mesmo um cara arretado. E Parauapebas continua precisando muito dele.


* Essa é uma história verídica, cujos nomes foram modificados. Uma triste realidade em várias cidades brasileiras...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Fabuloso Diálogo Entre a Senhorita Liberdade e o Senhor das Palavras


Era uma manhã sombria. O mundo fervia há milênios...

Foi quando um fenômeno inédito rasgou os cinzentos céus do planeta Terra. Uma fenda iluminada se abriu. Imagem extasiante, mas que passou incólume a toda cega humanidade. Bom, a quase toda ela, pois eu, sim, a tudo vi. Foi como se o tempo tivesse cedido a tão extraordinário fato. E enquanto olhava àquilo tudo impressionado, percebi então o fabuloso diálogo...

- Senhorita Liberdade, sou o Senhor das Palavras! Aquele que sempre tenta bailar junto a ti, na ânsia de descrever-te. Mas... Como definir-te? Sigo unindo letras, a tentar decifrar-te. Donde vens? Quem és? Como chegaste até aqui?

- Sou a Senhorita Liberdade, como bem disseste. O que queres tu de mim? Deixas-me bailar! Não me venhas tolher com tuas vãs divagações gramaticais!

- Palavras sou. Palavras escrevo. Palavras que se soltam de mim. Palavras que se perdem no afã de saber apenas quem és.

- És hábil com elas, reconheço. Contudo, cuidado! Sabes mesmo utilizá-las até mim?

- Sim! Sou o Senhor das Palavras! Aquele que busca a redação. Eu, que me encontrava um tanto dicionário. Eu, que não esperava encontrar-te assim, tão visível em mim. Palavras vêm e vão. Preciso de ti para seguir adiante! Em que página estamos?

- Nas páginas do incontido, Senhor! Em mim nada se aprisiona. No éter do espaço imensurável vivo, provocando apenas os ousados seres que acabam por me enxergar ante tanta cegueira. Senhor das Palavras, podes ser perigoso! Palavras livres, livres palavras... Quem te segura?

- Nunca dancei. E agora me pego a bailar contigo. Liberdade e palavras, nós, tão distantes e tão próximos, ora escritos, ora verbais, ainda incógnitos. Como poderei definir-te se jamais a tive?

- Palavras são cegas. Os homens também. Permeio a tudo e ainda assim tão ignorada sou. Cuidado com as tuas palavras, Senhor! Muito mal já se foi feito com elas!

- Liberdade... Quem te alcança???

O diálogo se encerrou. A fenda se fechou. O céu novamente descoloriu. O tempo retomou seu lugar, implacável. A cegueira humana persistiu. E eis que aqui vos encontrais. Resultados disso tudo. Apalavrados. Prisioneiros das vossas próprias armadilhas. Humanas palavras presas no dicionário da vida.

Quem sou? Chamo-me esperança. E cá estou, livre, mas aprisionado em vossas próprias divagações.

As manhãs permanecem sombrias. O mundo ferve há milênios...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fraternos


O que é o querer
Senão o desejo de estar perto
De ajudar, doar, servir
De apenas ser?

O que é o amor
Senão o senhor do querer
O objetivo a alcançar
A meta de cada ser?

E o que somos nós
Senão dois em um ser
Querentes, amados, fraternos
Experienciando o viver?