quinta-feira, 3 de março de 2011

IML


Os longos cabelos louros eram seu maior orgulho. Horas a fio, diariamente, os cuidados com as madeixas pareciam até obsessivos. Cremes, xampus importados, coquetéis capilares, pentes especiais e algumas horas por semana eram gastas num luxuoso salão de beleza da zona sul.

O corpo era tratado como divindade. Excessivas horas de academia garantiam contornos musculosos, bem como olhares fulminantes – e, por que não dizer, muitos elogios. Sobre a delineada musculatura, uma pele aveludada e perfumada aparecia altiva. Centenas de reais eram gastos por mês em cremes e massagens especiais, responsáveis em sua maior parte pela exuberância da tez.

Pêlos no corpo não havia. Duas sessões por semana de depilação e a bela carcaça, lisa, despertava inveja. Sobrancelhas, buço, pernas, virilha, axilas... Nada ficava impune aos processos depilatórios, ‘necessários’ para um visual ‘perfeito’.

Tanto zelo, somente com muitos recursos. A riqueza oriunda da nobre família era o suporte. E o corpo, tão cultuado, era tudo.


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A saída do campo de futebol não estava nada fácil. A grande quantidade de pessoas no tumultuado clássico, somado à exacerbação dos ânimos, fazia do clima quente daquele início de noite ainda mais sufocante. E o gol de pênalti, que garantiu a vitória numa jogada duvidosa, no último minuto de jogo, contribuiu para acirrar a rivalidade entre as torcidas.

Alheio à revolta dos torcedores adversários – perdedores na partida recém terminada –, ele saiu do campo se espremendo pelo pequeno portão. O estádio do rival era grande, porém, deveras desorganizado. O semblante de satisfação contrastava com as momentâneas dificuldades de locomoção. Conduzido pela massa num grande empurra-empurra, ele enfim chega à rua e busca a direção do estacionamento em que deixara seu veículo.

Do lado de fora do estádio, o clima era de provocações entre os torcedores. O medo de possíveis arruaças o impeliu a agilizar a andança. Cinco passos, porém, foram suficientes para conduzi-lo ao centro de um grande tumulto que estava prestes a se formar: duas torcidas organizadas adversárias frente a frente estavam, pedras e rojões na mão, desafiando-se num confronto, para ele, inesperado. O clima festivo de outrora cedeu de imediato ante o perigoso momento. Aflito, tentou proteção por detrás de um caminhão logo que a primeira pedra foi atirada. Daí por diante, só selvageria.

Ainda que acuado, não hesitou em agir: correu entre os briguentos na ânsia de chegar ao outro lado da rua. Desviou de um paralelepípedo e de uma cadeira que em sua direção fora arremessada. Só não conseguiu desviar do tiro de rojão que lhe acertou em cheio a cabeça. A explosão do fogo de artifício foi-lhe fatal, constatação feita por um policial que chegou momentos depois, juntamente com outros soldados, para dispersar os vândalos e prender os delinquentes. A diversão, assim, acabou em tragédia.


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O corpo do vaidoso jovem chega, enfim, ao Instituto Médico Legal. Após horas de espera, a mãe reconhece o cadáver do filho. Inconformada, não se contém ao ver tamanha beleza desperdiçada. O filho querido já se fora. E o corpo, tão cultuado, nada mais era...