sábado, 11 de dezembro de 2010

Confronto

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O voo continuou despretensioso para o rei, naquele vasto céu espaçadamente anuviado. A sensação era de paz duradoura, como um clímax resultante do prazer em ver o sonho materializado, a alegria de enxergar-se na própria criação.

Flutuando nos ares da felicidade o rei seguiu, até que, por vão descuido, um inesperado despencar levou-o ao distante chão. A tosca situação reverberou no âmago do soberano. Como pode um monarca no chão? O que havia por trás daquilo? Fora um invisível golpe? Algo estava errado...

Uma sensação de desprazer logo o invadiu e, antes que pudesse tomar qualquer iniciativa, visualizou escura nuvem manchando o céu multicolorido. Intrigado, o rei percebeu curiosa simetria entre aquele corpo estranho e o seu próprio ser. “Como não conheço o que criei? Será realmente criação minha?”, pensou alto. Refeito, não hesitou em tomar satisfações.

– Criatura: que fazes em meu mundo?

– Eu sou tu. Teu avesso. Parte de ti. Criatura alargando teu mínimo ser, oh! Infame rei!

– Blasfêmia!

– Como? Não conheces a tua própria criação? Não reconheces a ti próprio, pretensa majestade?

– Blasfêmia e audácia! Não vês quem reina por aqui? Tens ideia onde estás a pisar?

– O que vais fazer? Usar-me contra ti ou usar-te contra mim? Hahahaha...

A gargalhada não intimidou o soberano, que se ergueu imponente, decidido a fazer valer sua condição real. E no instante em que se apresentou absoluto, deixando fulgurar sua vasta luz, percebeu o ousado ser crescer em igual tamanho.

– Como podes? Se dizes ser-me, como és? E se assim for, és tão somente criatura!

– Como tu, crio-me conforme teu desejo...

As sensações tenebrosas, até então inéditas, passaram a imperar, deixando o rei completamente dominado. E quanto mais afetado ficava, maior se fazia o ser.

– Magia! - gritou o monarca.

O vento se fez presente com raro furor; trovoadas ecoaram num céu novamente cinzento; sussurros e gritos surgiram do nada; um verdadeiro temporal de sombras configurou-se absoluto. Com um tom de voz cada vez mais monstruoso, a escura sombra retrucou:

– Conhece-te a ti mesmo, ó rei! Enxerga-te em mim! Aumenta e me alimenta, oh! Grande rei! Somos apenas um!

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