sexta-feira, 18 de abril de 2008

O Saudável e o Absurdo

Olhar penetrante,
Andar sensual,
Cabelos ondulados,
Voz angelical.

Seios volumosos,
Cinturinha de pilão,
Bumbum empinado,
Mini-saia, pés no chão.

Minha nossa!
Olho bem no meio...
O que é isso? Não sei!

Minha nossa!
Estou surpreso...
Meu bem, você é gay!



O tom do poema acima, que pode ser considerado por alguns como pejorativo, na verdade nada disso tem. O evidente bom-humor é um olhar pueril, um tanto jocoso, mas sem más intenções - uma espécie de homofobia cômica. Conheço gays, veadinhos e homossexuais e, claro, a temática séria ganha contornos de brincadeira quando levada de forma leve e superficial. Isso é saudável.

‘Gays, veadinhos e homossexuais?’, você deve estar questionando. Sim! E antes que eu leve um xingamento cabeludo, vou logo explicando: gays, aqueles simpatizantes, mui entrosados, mas que não chegam às vias de fato; veadinhos, assim vulgarmente denominados apenas por terem postura e atitudes afeminadas; e os homossexuais, cuja opção sexual dispensa apresentações.

Quantos rótulos, não? Pois é. E o pior é que nem eu nem vocês temos nada a ver com isso. A vida é feita de escolhas, inclusive sexuais (óbvio). Por isso mesmo, considero nada demais as brincadeiras saudáveis em torno do assunto.

Inadmissível, porém, é o preconceito. A ignorância tem descambado para o desrespeito, para a invasão da individualidade alheia e, o que é pior, para injustificáveis atos de violência (como todo ato violento assim o é). O arco-íris, símbolo do movimento gay, anda ficando enegrecido. E isso não tem graça nenhuma.

Segundo dados não-oficiais, fornecidos pela ONG Fórum Permanente Contra a Violência, o Brasil é o país onde ocorre o maior número de homicídios homossexuais e onde a maioria dos assassinatos continua sem punição. E os números da violência têm crescido vertiginosamente nos últimos anos. Um absurdo.

O caso mais emblemático desse quadro negro aconteceu em Alagoas, em 1993. O vereador de Coqueiro Seco, Renildo Santos, homossexual assumido, foi assassinado com requintes de uma crueldade ímpar: após ter sido seqüestrado, o vereador teve as orelhas, nariz e língua decepadas, unhas arrancadas e depois cortados os dedos; as pernas quebradas; foi castrado e teve o anus empalado. Foi esquartejado, levou tiros nos dois olhos e ouvidos, teve órgãos retirados do corpo, possivelmente com uma faca peixeira. Para dificultar o reconhecimento do cadáver, atearam fogo a seu tronco, enterrando o corpo em cova rasa. Sua cabeça foi encontrada boiando no rio Una, próximo a Palmares, e o tronco, no município de Xexéu, ambos em Pernambuco.

O caso tornou-se um clássico da impunidade e da violência homossexual no mundo, ganhando destaque nos relatórios da Anistia Internacional como um dos mais bárbaros crimes homofóbicos registrados no planeta. O vereador virou prêmio de Direitos Humanos, mas os suspeitos de seu assassinato permanecem em liberdade. Sem dúvida, um caso que mistura política e sexualidade, mas que permanece chocando pelo excessivo desrespeito à vida e à liberdade sexual.

Pois é. O contraste da brincadeira inicial com os dados aqui apresentados torna o tema ainda mais profundo. Talvez, devamos todos nós dar um tom mais gay ao dia-a-dia: mais alegria, menos atenção ao que os outros falam e pensam, mais autenticidade. Pois é...

Contudo, só para não deixar o tom de brincadeira de lado - e persistir no saudável ao invés do absurdo -, deixá-los-ei à vontade: quem quiser sair do armário de vez, que o faça. Ninguém tem nada a ver com isso...