sábado, 29 de março de 2008

Nós Abortamos Ângelo


Apenas uma semana de vida. Sequer foi batizado. Chamá-lo-ei de Ângelo (embora alguém já tenha sugerido o nome de Renato). Abandonado ontem pela mãe na portaria de um prédio em Brasília, ainda que sem querer, expôs a nossa miséria social. Questões macro - como a educação e a igualdade sócio-econômica - e micro - como a responsabilidade de gerar um filho e assumir as conseqüências de um relacionamento sexual - vieram à tona com a mesma força da imagem na TV.

A frieza do abandono se compara a um aborto. Ângelo é, sim, fruto de um aborto social, cria da nossa incapacidade em lidar com os efeitos dos nossos próprios atos e, acima de tudo, de conviver coletivamente com justiça e amor. A mãe de Ângelo é, também, um reflexo do que somos.

Uma penca de gente vai surgindo na ânsia de adotar o menino. Claro. Famoso - possivelmente, no futuro, foco de uma matéria num telejornal qualquer (“lembram da criança abandonada há 18 anos em Brasília...”). Adoção? Sim! Lição de amor, contudo, é conseqüência dessa miséria. E a causa? Quando encontraremos a cura para nós mesmos?

Ângelo chora. Continua sentindo a ausência da mãe. Permanece esperando que tantos outros, como ele, sejam enfim amados. Quantos bebês ainda iremos abortar?
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* O texto acima foi baseado em fato verídico, acontecido na Capital Federal em 28 de março de 2008. Esse é o nosso mundo...